Caso Simone André Diniz vs. Brasil

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no Relatório de Mérito nº 66, de 21 de outubro de 2006, responsabilizou o Estado Brasileiro por ter violado o pleno exercício do direito à justiça e ao devido processo legal, tendo falhado na condução dos recursos internos para apurar a discriminação racial sofrida por Simone André Diniz e por isso descumpriu a obrigação de garantir o exercício dos direitos previstos na Convenção Americana e o dever de adotar disposições de direito interno.

CADH, 8 e 25 + 24 c/c 1.1 e 2

Simone André Diniz, mulher negra, em busca de colocação como empregada doméstica, responde a uma oferta de emprego em jornal de grande circulação no estado de São Paulo, feita por particular.

Tomando conhecimento do anúncio, Simone ligou para o número indicado, apresentando-se como candidata ao emprego. Ao ser indagada sobre a cor de sua pele, que de pronto contestou ser negra, foi informada que não preenchia os requisitos para o emprego.

Simone denunciou a discriminação racial sofrida e o anúncio racista à Subcomissão do Negro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, e, acompanhada de advogado, prestou notitia criminis junto a então Delegacia de Crimes Raciais.

Foi instaurado Inquérito Policial para apurar a eventual violação do artigo 20 da Lei 7716/89, que define a prática de discriminação ou preconceito de raça como crime.

Lei 7716/89, art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa

  • 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa

O Ministério Público, único legitimado para começar a Ação Penal pública, pediu arquivamento do processo fundamentando falta de indícios de que o ato constituísse crime de racismo.

ENTENDIMENTO DA CIDH: FORAM ESGOTADOS OS RECURSOS INTERNOS PORQUE INEXISTE RECURSO A SER INTERPOSTO DE DECISÃO QUE ACOLHE PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL.

Embora tratar-se o presente caso de uma relação havida entre particulares – no caso, Simone e a potencial empregadora -, o Estado brasileiro tinha a obrigação de velar para que nessa relação fossem respeitados os direitos humanos das partes a fim de prevenir a ocorrência de uma violação, bem como, na eventualidade de haver a violação, buscar, diligentemente, investigar, processar e sancionar o autor da violação, nos termos requeridos pela Convenção Americana.

Houve discriminação racial no recrutamento e seleção para emprego. É racismo.

Não obstante a evolução penal no que tange ao combate à discriminação racial no Brasil, a CIDH tem conhecimento que a impunidade ainda é a tônica nos crimes raciais.

Com efeito, uma análise do racismo através do Poder Judiciário poderia levar à falsa impressão de que no Brasil não ocorrem práticas discriminatórias. Quando, em verdade, trata-se de obstáculos institucionais desde a prova testemunhal, passando pelo inquérito na polícia até a decisão jurisdicional, há diversas barreiras que compõe o Racismo Institucional.

Este tratamento desigual que é dado aos crimes raciais no país, seja na fase investigativa, seja na judicial, reflete a distinção com que os funcionários da polícia e da justiça tratam as denúncias de ocorrência de discriminação racial, pois na maioria das vezes em que recebem estas denúncias, alegam a ausência de tipificação do crime e dificuldade em provar a intenção discriminatória toda vez que o perpetrador nega que quis discriminar a vítima, como fatores para não processar a denúncia.

Recomendações da CIDH para o Brasil, no Caso Simone André Diniz:

  • Reconhecer publicamente a responsabilidade internacional por violação dos direitos humanos de Simone;
  • Conceder apoio financeiro à vítima para que esta possa iniciar e concluir curso superior;
  • Estabelecer um valor pecuniário a ser pago à vítima à título de indenização por danos morais;
  • Realizar as modificações legislativas e administrativas necessárias para que a legislação antirracismo seja efetiva, com o fim de sanar os obstáculos institucionais demonstrados;
  • Realizar uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos, com o objetivo de estabelecer e sancionar a responsabilidade a respeito dos fatos relacionados com a discriminação racial sofrida pela vítima;
  • Adotar e instrumentalizar medidas de educação dos funcionários de justiça e da polícia a fim de evitar ações que impliquem discriminação nas investigações, no processo ou na condenação civil ou penal das denúncias de discriminação racial e racismo;
  • Promover um encontro com organismos representantes da imprensa brasileira, com a participação dos peticionários, com o fim de elaborar um compromisso para evitar a publicidade de denúncias de cunho racista, tudo de acordo com a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão;
  • Organizar Seminários estaduais com representantes do Poder Judiciário, Ministério Público e Secretarias de Segurança Pública locais com o objetivo de fortalecer a proteção contra a discriminação racial e o racismo;
  • Solicitar aos governos estaduais a criação de delegacias especializadas na investigação de crimes de racismo e discriminação racial;
  • Solicitar aos Ministérios Públicos Estaduais a criação de Promotorias Públicas Estaduais Especializadas no combate ao racismo e a discriminação racial;
  • Promover campanhas publicitárias contra a discriminação racial e o racismo.

Nem todas as recomendações foram cumpridas. Sigamos, nas trincheiras das lutas por dignidade.

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