Caso Guerrilha do Araguaia vs. Brasil

Corresponde à 4ª condenação do Estado brasileiro pela Corte IDH e trata do tema da justiça transicional, ou seja, da luta pela garantia dos direitos humanos das pessoas que foram vítimas dos crimes perpetrados durante a ditadura empresarial-militar instituída no Brasil, no período de 1964 a 1985.

Guerrilha do Araguaia foi um movimento de resistência, encabeçado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que ocupou a região amazônica brasileira, ao longo do rio Araguaia, entre fins da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970, na divisa dos estados de Tocantins, Pará e Maranhão. Foi combatido pelas Forças Armadas a partir de 1972 e produziu mais de 50 (cinquenta) desaparecidos políticos, até hoje.

Direitos Violados

3º: Reconhecimento da Personalidade Jurídica c/c 1º (obrigação de respeito e garantia) e 2º (dever de adotar medidas de direito interno) da CADH
4º: Vida
5º: Integridade Pessoal
7º: Liberdade Pessoal
13: Liberdade de Expressão e Dir. Informação
8º: Garantias Judiciais
25: Proteção Judicial
1, 6 e 8 Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura

 

Competência Temporal da Corte IDH

O Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998 e, em sua declaração, indicou que o Tribunal teria competência para os “fatos posteriores” a esse reconhecimento. Por esse motivo, a execução extrajudicial da senhora Maria Lúcia Petit da Silva, cujos restos mortais foram identificados em 1996, não foram analisados pela Corte.

Contudo, a jurisprudência tem estabelecido que os atos de caráter contínuo ou permanente perduram durante todo o tempo em que o fato continua. Nesse sentido, a Corte IDH assevera o caráter contínuo ou permanente do desaparecimento forçado de pessoas, que foi reconhecido de maneira reiterada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, no qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanecem até quando não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e os fatos não tenham sido esclarecidos. A Corte, portanto, se declarou competente para analisar os alegados desaparecimentos forçados das supostas vítimas a partir do reconhecimento de sua competência contenciosa efetuado pelo Brasil.

Além disso, o Tribunal pode examinar e se pronunciar sobre as demais violações alegadas, que se fundamentam em fatos que ocorreram ou persistiram a partir de 10 de dezembro de 1998. A Corte tem competência para analisar os supostos fatos e omissões do Estado, ocorridos depois da referida data, relacionados com a falta de investigação, julgamento e sanção das pessoas responsáveis, inter alia, pelos alegados desaparecimentos forçados e execução extrajudicial; a alegada falta de efetividade dos recursos judiciais de caráter civil a fim de obter informação sobre os fatos; as supostas restrições ao direito de acesso à informação, e o alegado sofrimento dos familiares.

Anistia geral, prescrição, ou qualquer causa excludente de responsabilidade que impede a investigação e sanção das graves violações de DH, são:

  • incompatíveis com a CADH;
  • carecem de efeitos jurídicos;
  • não podem seguir representando obstáculo para a identificação e punição dos responsáveis pelos fatos do caso e outros do mesmo período. (§ 171, 175, 176)

A Corte IDH entende que “são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos”. (par. 171)

A forma na qual foi interpretada e aplicada a Lei de Anistia aprovada pelo Brasil afetou o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos, ao impedir que os familiares das vítimas no presente caso fossem ouvidos por um juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Convenção Americana, e violou o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento, precisamente pela falta de investigação, persecução, captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos, descumprindo também o artigo 1.1 da Convenção. Adicionalmente, ao aplicar a Lei de Anistia impedindo a investigação dos fatos e a identificação, julgamento e eventual sanção dos possíveis responsáveis por violações continuadas e permanentes, como os desaparecimentos forçados, o Estado descumpriu sua obrigação de adequar seu direito interno, consagrada no artigo 2 da CADH. (par. 172)

Controle de Convencionalidade versus Controle de Constitucionalidade (ADPF 153)

“No presente caso, o Tribunal observa que não foi exercido o controle de convencionalidade pelas autoridades jurisdicionais do Estado e que, pelo contrário, a decisão do Supremo Tribunal Federal confirmou a validade da interpretação da Lei de Anistia, sem considerar as obrigações internacionais do Brasil derivadas do Direito Internacional, particularmente aquelas estabelecidas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. O Tribunal estima oportuno recordar que a obrigação de cumprir as obrigações internacionais voluntariamente contraídas corresponde a um princípio básico do direito sobre a responsabilidade internacional dos Estados, respaldado pela jurisprudência internacional e nacional, segundo o qual aqueles devem acatar suas obrigações convencionais internacionais de boa-fé (pacta sunt servanda). Como já salientou esta Corte e conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, os Estados não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais. As obrigações convencionais dos Estados Parte vinculam todos seus poderes e órgãos, os quais devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus efeitos próprios (effet utile) no plano de seu direito interno.” (par. 177)

Prova FCC-DPEGO (2021)

A Corte relaciona da seguinte forma tema e CADH:

  • Desaparecimento forçado: CADH, 3 (reconhecimento da personalidade jurídica); 4 (vida); 5 (integridade pessoal); 7 (liberdade pessoal) c/c 1.1., sendo certo que a falta de tipificação específica: não pode impedir a persecução, pois os tipos de sequestro, lesão corporal, homicídio estão no ordenamento jurídico.
  • Como consequência da interpretação que foi dada pelo STF à Lei de Anistia: CADH, 8.1 e 25.1 c/c 1.1 e 2.
  • Direito a informação em prazo razoável e respectivo acesso: CADH, 13 c/c 8.1 e 25.1 c/c 1.1
  • Julgamento pela justiça militar não atende aos requisitos do devido processo legal da CADH, 8 e 25.

O caso na Corte IDH ajudou a levantar a cortina de silêncio e censura que cobria o movimento e as operações militares contra ele, que começou a ser conhecido com a redemocratização do Brasil, que – contudo – ainda não é um estado de direito inclusivo.

O caso ainda está em fase de supervisão da sentença pela Corte IDH.