É a 9ª condenação do Estado brasileiro pela Corte IDH. Dessa vez, o Brasil foi responsabilizado pela violação de DESCA (direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais) em razão de sua omissão e negligência na garantia dos direitos das pessoas vulnerabilizadas frente a poderosos atores privados.
A Corte IDH reconheceu expressamente que a violação do artigo 26 da CADH se deu no marco de uma situação de discriminação estrutural histórica em razão da posição econômica e do pertencimento étnico-racial, que ainda tem um efeito desproporcionalmente lesivo às mulheres (discriminação indireta).
O caso foi apresentado na CIDH em 03 de dezembro de 2001 e a sentença da Corte IDH demorou quase duas décadas, sendo proferida em 15 de julho de 2020.
Direitos Violados
4.1: à Vida | c/c 1º (obrigação de respeito e garantia) da CADH |
5.1: Integridade Pessoal | |
4.1. c/c 19: à Vida das Crianças | |
19: diretos das crianças | c/c 1º (obrigação de respeito e garantia) da CADH |
24: à igual proteção da lei e proibição de discriminação | |
26: DESCA, no caso, direito ao trabalho | |
8º: Garantias Judiciais | c/c 1º (obrigação de respeito e garantia) da CADH |
25: Proteção Judicial | |
5: Integridade Pessoal dos Familiares | c/c 1º (obrigação de respeito e garantia) da CADH |
O Brasil é o 2º produtor de fogos de artifício do mundo, ficando atrás, apenas, da China. Especialmente em locais com presença histórica de população em condição de pobreza e negra, como é o Recôncavo Baiano, fábricas de fogos exploram mão de obra infantil, predominantemente feminina e de pessoas idosas, muitas vezes em situação de clandestinidade.
No dia 11 de dezembro de 1998 (dia seguinte ao depósito do aceite do Brasil à jurisdição obrigatória da Corte IDH), EXPLODIU uma fábrica de fogos no Município de Santo Antônio de Jesus, BA, ocasionando a morte de 64 pessoas e lesões em mais 05, que sobreviveram.
A coordenação motora fina é um requisito para a atividade. Daí quase todas as vítimas terem sido mulheres (02 grávidas), inclusive 23 crianças (com idades entre 9 e 14 anos), assim como pessoas idosas de 76 e 91 anos. Sendo a maioria negra.
A situação de extrema pobreza do município obrigava a população a se submeter ao trabalho extremamente perigoso. Além do risco e vulnerabilidade da atividade, os trabalhadores recebiam salários ínfimos. Eram pagos R$ 0,50 pela produção de MIL traques. Traques são pequenos pedaços de pólvora embrulhados em papel.
“A produção de fogos de artifício no município se caracterizava por um elevado grau de informalidade, clandestinidade, utilização de mão de obra infantil e trabalho de mulheres – inclusive nas próprias casas –, essencialmente artesanal e com baixíssimo grau de incorporação tecnológica. Além disso, uma das principais fontes do trabalho do município era, e continua sendo, a fabricação de fogos de artifício de maneira sumamente arriscada para a vida e a integridade pessoal das trabalhadoras e dos trabalhadores, a ponto de a explosão de 11 de dezembro de 1998 não ter sido a primeira.” (Caso, pár. 67)
As Vítimas foram pessoas vulnerabilizadas pela desigualdade da realidade brasileira, marcada por pobreza, desigualdades regionais e restrição de acesso ao emprego. Considerando, ainda, o racismo estrutural e a feminização da pobreza que imbricam raça-classe-gênero, há a necessidade de identificar e visibilizar tais situações com políticas públicas voltadas ao respeito do princípio da igualdade como não subordinação (direito à inclusão social e ao desenvolvimento).
Se o padrão de violação de direitos tem um efeito desproporcionalmente lesivo às mulheres e às negras e negros, adotar políticas de gênero e raça “neutras” alimenta a desigualdade e a exclusão = DISCRIMINAÇÃO INDIRETA! (vide §§ 182-ss)
– Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos
– Padrões Internacionais sobre o Direito a Condições de Trabalho Equitativas e Satisfatórias q garantam a segurança, a saúde e a higiene do trabalho como componente do direito ao trabalho (CADH, 26) + PROIBIÇÃO do trabalho insalubre e em condições perigosas a menores de 14 anos
Tema da Discriminação em relação à pobreza e seu caráter multidimensional está consubstanciado dentro de origem social ou outra condição social da CADH, 1,1
“Com relação à discriminação em virtude da pobreza em que se encontravam as trabalhadoras da fábrica de fogos, o primeiro ponto a salientar é que esta não é considerada uma categoria especial de proteção, nos termos literais do artigo 1.1 da Convenção Americana. No entanto, isso não é obstáculo para que se considere que a discriminação por essa razão esteja proibida pelas normas convencionais. Em primeiro lugar, porque o rol constante do artigo 1.1 da Convenção não é taxativo, mas enunciativo; e em segundo, porque a pobreza bem pode se estender dentro da categoria de “posição econômica” a que se refere expressamente o referido artigo, ou em relação a outras categorias de proteção como a “origem […] social” ou “outra condição social”, em função de seu caráter multidimensional.” (Caso, pár. 185)
“A esse respeito, a Corte recorda que os Estados são obrigados “a adotar medidas positivas para reverter ou alterar situações discriminatórias existentes em suas sociedades, em prejuízo de determinado grupo de pessoas. Isso significa o dever especial de proteção que o Estado deve exercer com respeito a atuações e práticas de terceiros que, sob sua tolerância ou aquiescência, criem, mantenham ou favoreçam as situações discriminatórias, e, ademais, que os Estados são obrigados a adotar medidas positivas, determináveis em função das necessidades especiais de proteção do sujeito de direito, seja por sua condição pessoal, seja pela situação específica em que se encontre, como a extrema pobreza ou a marginalização.” (Caso, pár. 186)
O caso ainda está em fase de supervisão da sentença pela Corte IDH.